Bienal do Rio – Todo o poder das novelas

* Matéria publicada no site Yahoo! Notícias, em 24/09/2007

 

Café Literário / Bienal do Rio

POR: ADRIANA PAIVA


(Rio de Janeiro) - Muita rasgação de seda e nenhuma alfinetada. Nesse clima, os teledramaturgos da Rede Globo, Gilberto Braga e Silvio de Abreu dividiram o sofá do Café Literário, no sábado (22/09), penúltimo dia da 13ª Bienal do Livro do Rio de Janeiro, para um bate-papo informal sobre TV e o ofício de escrever novelas.

Confessos admiradores do trabalho um do outro, eles não foram econômicos nos elogios. "A gente se adora, se admira. Isso é ótimo", disse Gilberto Braga, sobre o autor Silvio de Abreu, que também não esconde a admiração que nutre pelo colega: "Sou fã das novelas dele; são as que mais gosto".

Logo no início da sabatina, um assunto que, mais até do que a absolvição de Renan Calheiros no Senado, vem mobilizando parte da nação: "Quem matou Taís?". O responsável pelo trágico destino da personagem vivida pela atriz Alessandra Negrini, na novela Paraíso Tropical, de Gilberto Braga (escrita em parceria com Ricardo Linhares) - cujo capítulo final vai ao ar nesta sexta-feira (28/09), às 21h, segue cercado de mistérios. Braga justifica a provocação que faz ao público de seu folhetim. "Acho interessante colocar em uma novela um ´quem matou?´, porque faz com que esse assassinato vire a espinha dorsal", defende. "As histórias dos personagens começam a se unir, virando um grande sucesso na maioria das vezes".


Humor e glamour


É Sílvio de Abreu, no entanto, quem elege o suspense como um dos principais ingredientes de suas novelas - seus fãs hão de se lembrar da apreensão em torno dos assassinatos de A Próxima Vítima (1995) e Belíssima (2005). O primeiro ingrediente, segundo o autor, é o humor. E Guerra dos Sexos (de 1983, com Fernanda Montenegro e Paulo Autran) foi a novela que, definitivamente, o consagrou nessa seara. Gilberto Braga diz que glamour é o que os fãs não admitem que falte em suas tramas.

E como os autores se sentem em relação aos personagens quando suas novelas terminam? Ambos concordam que o sentimento que fica é quase que de missão cumprida. "É um alívio", diz Abreu. "Eu acho ótimo, não tenho saudade de nada!", emenda Braga. "A glória é quando vejo o último capítulo. Acabou, está no ar. Estou de férias!".

Mas não se pense que esses senhores não têm carinho por seus personagens. Sobre o ofício de propriamente concebê-los, Braga conta, com entusiasmo, que os cria e lapida pensando nos atores de quem gosta. E a primeira pessoa que lhe ocorre citar é Isabela Garcia, atriz para quem ele vem talhando personagens desde Água Viva (novela que a Rede Globo exibiu em 1980). Em Paraíso Tropical, ele diz ter escrito especialmente para ela o papel de Dinorá, que , no meio da trama, o marido substitui por outra mais jovem. "Eu queria que ela fosse uma ex-mulher pentelha", explica, brincalhão.


Cortando os pulsos


Mas é com outro par romântico da novela que Braga se mostra especialmente envolvido: Neli e Heitor (interpretados por Beth Goulart e Daniel Dantas). "Se eles não ficarem juntos, eu corto os pulsos", diz, levando a platéia às gargalhadas . Abreu não deixa dúvidas sobre o comprometimento dos autores com suas criaturas: "A gente sofre, se envolve". Saudado por intelectuais como um dos mais elaborados autores de telenovelas surgidos por estas bandas, Braga confessa, em dado momento, que sua experiência de fruição estética não se restringe aos clássicos . "Tem hora que a gente quer ver bobagem, se distrair", admite. "Não é todo dia que eu vou ler Dostoievski, ver peça do Gorki".


Tabus abaixo


Embora tanto Silvio de Abreu quanto Gilberto Braga partilhem da opinião de que a principal função das novelas deva ser mesmo a de entreter, nenhum dos dois descarta seu papel educativo. Para Abreu, as novelas têm ajudado a demolir tabus e o fizeram, por exemplo, quando explicaram para as pessoas que a homossexualidade não é um problema. Braga complementa a argumentação elogiando o tratamento que Sílvio de Abreu deu ao tema, em A Próxima Vítima, onde um casal gay - Sandrinho (André Gonçalves) e Jefferson (Lui Mendes) - fugia ao tradicional tratamento estereotipado. Gilberto Braga também criou, em Paraíso Tropical, um casal de homossexuais masculinos (vividos pelos galãs Carlos Casagrande e Sérgio Abreu, igualmente não-estereotipados), em torno do qual a maior polêmica, vinda, segundo ele, de representantes de movimentos gays, diz respeito à "contenção" dos personagens na trama. "Eles reclamam que não tem beijo", diz o autor. Outro preconceito que os autores têm tratado em suas obras é o racismo. E, também nesse caso, virando estereótipos pelo avesso. Ainda em A Próxima Vítima, os membros da família negra - que, segundo Abreu, foram muito bem aceitos pelo público - não estavam em condição subalterna, nem viviam na periferia, situações em que os negros, mais comumente, vêm sendo retratados nas novelas. Braga, que diz ter uma longa militância contra o racismo, lembra, a propósito, do destaque que deu ao personagem do fotógrafo negro, inserindo-o no "mundo do glamour", em Celebridade (2003).


Vaidosos


Ao final do debate, os autores foram questionados sobre suas ambições literárias. Sílvio de Abreu afirma sentir-se realizado com seu ofício. "Não me vejo escrevendo um livro", garante. Braga diz que não saberia escrever um romance e reitera o que, em sua atividade, mais o motiva: "Trabalhamos com o ator. É nossa matéria-prima". Ele não diminui a importância do julgamento dos críticos e confessa ficar exultante ao escrever um capítulo que recebe elogios . Revela, ainda, que seu companheiro Edgar costuma dizer que ele fica "um nojo" quando isso acontece. Antes de a mediadora, a jornalista Regina Zappa, dar por encerrado o encontro, Gilberto Braga pede licença, e, dirigindo-se à mulher de Sílvio de Abreu na platéia, pergunta: "Ele também fica um nojo?".



Texto e foto por Adriana Paiva ©