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Revista da Cultura * Seção: Fotografia. Páginas 52 a 55.

Data da publicação: Dezembro de 2015 * Edição n° 101


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OLHARES ENGAJADOS


Os caminhos que conduziram dois fotógrafos, o brasileiro Chico Max e o colombiano Marcelo Londoño, a retratar imigrantes para os quais as mãos da ajuda foram estendidas


Reportagem e texto por Adriana Paiva


De um lado, o fotojornalista Marcelo Londoño, 38 anos, colombiano de Bogotá, formado em História e Cinema e com vários anos dedicados a temáticas sociais. Do outro, o paulistano Chico Max, 44 anos, diretor de arte com formação em Psicologia e uma longa carreira em fotografia editorial. Por mais díspares que possam parecer as trajetórias desses fotógrafos, em vários pontos, elas convergem. Justo quando a crise migratória atinge os níveis mais alarmantes, obrigando o mundo a repensar estratégias para lidar com seus efeitos, o trabalho de ambos encontra uma nova vocação: dar suporte a campanhas de esclarecimento sobre a situação dos refugiados e imigrantes que chegam ao Brasil, deixando para trás dramas como a guerra e a pobreza extrema.


Périplos por boas causas


Londoño, que atualmente se divide entre Lisboa, onde conclui um mestrado – e de onde conversou, via Skype, com a Revista da Cultura – e o Rio de Janeiro, cidade que escolheu para fixar residência, já vinha passando longos períodos no Brasil desde 2009. Aqui, cobriu a movimentação em torno de grandes eventos, como a Copa do Mundo, as manifestações que tomaram as ruas do país, em junho de 2013, e, mais recentemente, fotografou o avanço da hanseníase no estado de Pernambuco. Trabalho que, realizado para a Netherlands Leprosy Relief (NLR), fundação holandesa voltada ao combate da doença, acabou por render-lhe um prêmio da ONG alemã Transparência Internacional. “Viajamos pelo interior do estado durante sete dias. Eles precisavam de fotografias para uma campanha, na Holanda, e fui fazer. Foi uma experiência muito, muito forte”, relembra o colombiano. Exatamente por esse seu comprometimento com temas de cunho social que, em setembro deste ano, a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro decidiu solicitar os préstimos do fotógrafo para documentar a rotina dos cidadãos estrangeiros acolhidos pela Casa de Apoio a Refugiados, mantida nas dependências da Igreja Matriz de São João Batista, em Botafogo, zona sul carioca. “Precisávamos de alguém que tivesse um olhar mais sensível, a fim de chamar a atenção das pessoas para o problema dos refugiados no Brasil, mas também para fazer uma campanha de arrecadação de doações para o abrigo e falar sobre alguns casos, de modo a obter ajuda para eles”, conta Diogo Félix, assessor de informação da Cáritas RJ. “Estávamos em uma semana de muita atenção da mídia brasileira – e até da estrangeira – sobre os refugiados no país, em geral, e no Rio em particular”, acrescenta, aludindo à comoção mundial causada pela tragédia de Abdullah Kurdi, sírio de origem curda, que, alguns dias antes, perdera toda a família em um naufrágio durante tentativa de travessia entre a Turquia e a Grécia. Àquela altura, o abrigo, coordenado pelo padre Alex Coelho, com o apoio do Acnur (Alto Comissariado da ONU para os Refugiados) e do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, recebia 16 pessoas, entre elas, nove sírios, uma mãe e a filha nigerianas e uma família de russos de origem armênia, que chegou ao país fugindo da guerra na Ucrânia. De lá para cá, essa configuração alterou-se um pouco, com a chegada de refugiados de outras nacionalidades. “Há 19 pessoas na casa hoje, sendo oito sírios”, relata Diogo.


Desconstruindo estigmas


Entusiasmado com a receptividade à exposição Somos todos imigrantes, que apresentou no Museu da Imagem e do Som (MIS), na capital paulista, no início do mês passado, em iniciativa que teve parceria com a Missão Paz e apoio da Secretaria de Cultura e da Assessoria Especial para Assuntos Internacionais do Governo de São Paulo, o fotógrafo Chico Max agora se prepara para também levá-la a Portugal, o que está programado para ocorrer nas primeiras semanas de 2016. Antes, a mostra fotográfica se tornará itinerante, passando pela Assembleia Legislativa e por outros pontos da capital paulista, como o Tribunal de Justiça e algumas estações de metrô. Embora São Paulo tenha sido erguida com a colaboração decisiva de imigrantes e nutra o orgulho de oferecer oportunidades a todos que ali aportam, a cidade também tem um lado indisfarçavelmente avesso à convivência com as diferenças. Percepção que Chico Max corrobora ao narrar um episódio que, ocorrido há alguns meses, ele destaca como o catalisador dos esforços que redundaram na realização da mostra. O fotógrafo conta que tinha acabado de sair de um restaurante peruano, na região central, quando, bem perto dali, avistou dezenas de haitianos reunidos em uma espécie de celebração. Ao mesmo tempo que a curiosidade típica da profissão o impelia a aproximar-se e a se misturar ao grupo, ele observava, com surpresa, as reações ostensivas dos passantes. “As pessoas – brancas em sua maioria – tomavam um susto, faziam cara de medo e desviavam”, lembra. “E não tinha nenhuma evidência de perigo ali, muito pelo contrário. O clima era muito bom, de superastral. Aí que me liguei: olha só o preconceito acontecendo na minha frente.” Entre testemunhar as cenas de intolerância explícita e tomar conhecimento de situações estarrecedoras relacionadas àqueles imigrantes, o fotógrafo levou o tempo exato de chegar em casa e sentar-se diante do computador. “Entrei no Google Imagens e digitei: ‘haitianos em São Paulo’. Não apareceu nenhuma foto digna; 99,9% das fotos, digamos assim, eram de haitianos em situação vexatória ou envolvidos em problemas.” De uma constatação a outra, Chico não demorou a chegar a uma série de reportagens sobre a Missão Paz, organização ligada à Igreja Católica, destinada a acolher e prestar atendimento a migrantes, imigrantes e refugiados. Ao conhecer o trabalho conduzido ali pelo padre Paolo Parise, imediatamente ocorreu-lhe que sua experiência como fotógrafo poderia ajudar a reverter a imagem desses forasteiros como indivíduos deslocados. A dignidade que ele se frustrara ao procurar, naquela pesquisa pela internet, meses atrás, ele faria questão de deixar impressa nos retratos dos homens, mulheres e crianças, vindos do Haiti e de outros oito países.*


FIM