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Matéria publicada no portal Yahoo! News, em 25 de julho de 2006.

Texto e foto por Adriana Paiva



graffiti arte urbana grafiteiros São Paulo


Galeria Fortes Vilaça grafitada por Gustavo e Otávio Pandolfo, "Os Gêmeos"




São Paulo - A gigantesca cabeça amarela em que se transformou o prédio da galeria Fortes Vilaça, há algumas semanas, é um convite para que se ingresse no universo onírico dos grafiteiros Os Gêmeos (ou ´osgemeos´ - outra de suas assinaturas). É lá que, agora, fora do circuito de muros, pontes e viadutos paulistanos, o trabalho desses artistas - já reconhecido no exterior - alcança outro status e outro público no Brasil.

Durante uma pausa nos preparativos finais para a abertura da exposição - nesta quinta (27/07), para convidados, e sexta (28/07), para o público - os artistas concederam entrevista.

Os irmãos paulistanos Otávio e Gustavo Pandolfo - gêmeos idênticos -, 32 anos, que têm muros grafitados nos quatro cantos do planeta - EUA (Nova York, Los Angeles, São Francisco), Austrália, Alemanha, Portugal , Itália, Grécia, Espanha, China, Japão, Cuba, Chile e Argentina - batizaram a mostra com o nome da instalação-surpresa ainda em processo de finalização O Peixe que Comia Estrelas Cadentes. A exposição também inclui pintura-mural e uma série inédita de pinturas-objeto.


Hip hop


Otávio e Gustavo começaram a grafitar no final dos anos 80 , no bairro do Cambuci (zona sul de São Paulo), onde nasceram. Eles militavam no movimento hip hop, quando este alcançava o auge no Brasil. Além de grafitar, a dupla percorria a cidade fazendo apresentações de break (modalidade de dança de rua que, juntamente com o rap e o próprio grafite, são marcas do movimento nascido nos EUA, na década de 70). "A gente frequentava a Estação São Bento (do Metrô), que na época era o ´point´ dos caras que curtiam hip hop", conta Gustavo.

Os irmãos fazem questão de deixar claro, contudo, que, do final dos anos 80 para cá, apesar de continuarem a participar de eventos ligados ao hip hop, seu vínculo com o movimento mudou radicalmente. "A gente conhece bastante a cultura, teve uma ligação forte. Então, de vez em quando, acontece um convite assim. Mas, hoje em dia, nosso trabalho não tem nada a ver mais com o hip hop".


Grafite x pichação


Um olhar um pouco mais atento permite concluir que o grafite feito hoje por Otávio e Gustavo mantém poucas semelhanças com aquele que ainda dá sinais de beber da fonte dos precursores : os "manos" afro-americanos que se criaram no Bronx. Essas diferenças entre estilos costumam vir à baila na sempre revigorada polêmica "grafite x pichação". Controvérsia na qual Os Gêmeos preferem não jogar lenha. "A gente já não aguenta mais responder perguntas do tipo ´qual a diferença entre grafite e pichação?´ Isso não importa", dispara Gustavo.

O nível de elaboração e a riqueza de detalhes dos murais grafitados pelos gêmeos vêm, segundo eles, de uma obsessão pela prática do desenho. Eles contam que nunca fizeram um curso. O estudo, ainda hoje, acontece em casa. "A gente sempre estudou, desde pequeno: desenho, desenho, desenho".


Fino traço


Foi justamente essa aplicação que ajudou a forjar o estilo de Os Gêmeos. Para eles, as principais características de seu trabalho vêm da maneira como o desenho é feito: "O jeito de a gente usar o spray, a linha, o contorno...", explica Gustavo. "A gente faz fininho -- isso também é estilo nosso".

A preocupação com detalhes fica evidente também na criação dos trajes de seus personagens."A estampa das roupas também é uma característica que a gente tem". Os personagens, mostrados em situações que ora parecem saídas de sonho, ora da dura realidade brasileira, são todos revestidos de um lirismo sem paralelo nesse tipo de manifestação artística.

O que a gente quer, o jeito como filtra as informações, a gente coloca através dos personagens". Quando o assunto se aprofunda na questão das influências artísticas, ambos preferem não citar nomes. "Acho que começam com a arte brasileira, a cultura popular brasileira", revela Otávio, "e vão até tudo o que a gente sonha, vê, sente, ouve".


E Volpi ?


A confusão sobre a suposta influência do artista no estilo de pintura de Os Gêmeos tem mais de uma explicação. A primeira delas : as bandeirinhas, que se repetem no traje de vários dos personagens criados pelos imãos, segundo eles, teriam a mesma origem das que, a partir dos anos 50, tornaram-se frequentes na obra de Volpi : as festividades juninas (São João, Santo Antônio e São Pedro).

Alfredo Volpi (nascido na Itália em 1896 e falecido em 1988), como Os Gêmeos, morou quase toda a sua vida no Bairro do Cambuci. Gustavo conta que, quando crianças, ele e o irmão estiveram, em certa ocasião, no ateliê do artista. "Gostamos do trabalho dele , mas não virou influência", ressalta.

”A gente tem muito dessa coisa do brasileiro, do improviso, das coisas que o brasileiro faz para se virar. Tem muito dessas improvisações no nosso trabalho", argumenta Otávio, aludindo ao fato de que Volpi, além de auto-didata, se encarregava de fazer seus próprios pincéis e telas. Outra "coincidência": o artista, que veio da Itália ainda criança, iniciou-se na pintura como "decorador de paredes", ou seja, fazendo uso do mesmo tipo de suporte que, décadas mais tarde, notabilizaria Os Gêmeos do Cambuci.


Filme para Nike


A visibilidade alcançada pelo trabalho da dupla, presente em muros ao redor do planeta, acabou rendendo-lhe convites como o da Nike. Otávio e Gustavo foram contratados para fazer a parte gráfica do documentário patrocinado e co-produzido (juntamente com a O2 Filmes) pela fabricante de materiais esportivos.

”Ginga - A Alma do Futebol Brasileiro" teve direção de Hank Levine, Marcelo Machado e Tocha Alves e produção-executiva a cargo do cineasta Fernando Meirelles. O lançamento no Brasil aconteceu em abril último. "Convidaram a gente por ter esse estilo bem brasileiro de pintar", conta Otávio. "Fizemos as vinhetinhas e decoramos todas as peças passadas no filme".

Fernando Meirelles gostou tanto da experiência de trabalhar com Os Gêmeos, que os convidou para auxiliarem na produção das animações para a série televisiva da Rede Globo, Cidade dos Homens. "A gente fez a animação com ele. Foi um outro experimento", lembra Otávio . "A gente falou : vamos fazer uma brincadeira , vamos ver no que é que dá".

Ainda por conta do trabalho para a Nike, Otávio e Gustavo passaram quatro meses viajando por cidades de sete países. Eles contam que a proposta da turnê - batizada de Brasil - era fazer uma festa brasileira em cada local visitado. Em cada cidade, acontecia uma exposição com o trabalho dos grafiteiros e a exibição do filme Ginga. "Eles precisavam de artistas que representassem a nossa cultura através das artes plásticas ou das artes visuais", explica Gustavo.


Outros suportes


Foi entre uma viagem e outra que surgiu a proposta de desenhar um tênis especial para a marca. Os calçados, produzidos em edição limitada e lançados apenas nas cidades visitadas durante o tour organizado pela Nike, tiveram a parte traseira, a língua e a palmilha ilustradas pelos grafiteiros.

Sobre o convite que os traz agora a São Paulo quem fala é Gustavo: "Veio da Márcia e da Alessandra (Márcia Fortes e Alessandra Ragazzo d´Aloia, sócias-fundadoras da galeria). Elas já conheciam o nosso trabalho e o que a gente fez em Nova York também", continua, referindo-se à estréia deles no circuito formal de arte contemporânea, com uma grande exposição na Deitch Projects Gallery (que representa Keith Haring e Jean-Michel Basquiat, artistas que também alcançaram fama usando o grafite como linguagem). "Acho que acabou rolando assim: ´Pô, como os caras são de São Paulo e nunca fizeram nada aqui? Vamos fazer, meu, tá na hora de fazer", acredita Otávio.

Embora a paixão pela atividade nas ruas não tenha arrefecido, os rapazes não escondem a empolgação com a nova empreitada. Sobretudo, segundo contam, pela miríade de possibilidades implicadas em mostrar seu trabalho em uma galeria, fazendo uso de um espaço que, nas palavras de Otávio, "pode ser transformado em 100%". "Você pode ter um trabalho tridimensional, pode ter luz, música, pode ter objeto, você pode fazer uma coisa se movimentar".


Grafite, só lá fora


Mas é quase em uníssono que Os Gêmeos dizem que o que eles vão exibir nas dependências da Fortes Vilaça não é grafite. "Aqui dentro é arte, arte contemporânea", esclarecem.

Quem não tiver a oportunidade de estar em São Paulo para ver a exposição d´Os Gêmeos, nem puder explorar a cidade para descobrir a marca deles impressa nos muros, há outras alternativas para conhecer um pouco mais da arte desses paulistanos. Uma delas é folhear o livro inglês Graffiti Brasil (Org.: Tristan Manco, Caleb Neelon, Ignácio Aronovich e Louise Chin - Ed. Thames & Hudson).

Outra opção é visitar o site Flickr, onde fãs dos irmãos espalhados pelo mundo (fotógrafos amadores e profissionais) publicam imagens de instalações e muros grafitados pela dupla de artistas quando em passagem por suas cidades . O endereço é : http://www.flickr.com/groups/osgemeos/.


No Rio e em POA


Antes de viajar para a Alemanha, onde estarão envolvidos com novos projetos, Os Gêmeos farão a curadoria do evento Identidade de Rua (organizado pela ONG gaúcha Instituto Trocando Idéia Tecnologia Social), cuja terceira edição deve acontecer em setembro, no Rio de Janeiro. Em novembro do ano passado, como parte do projeto, Os Gêmeos, juntamente com outros conhecidos grafiteiros da cena nacional , pintaram vagões do Metrô da Trensurb ( Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre).

Horário de visitação : Terça à sexta-feira, das 10h às 19h; Sáb., das 10h às 17h. Até 16/09. Entrada franca. Galeria Fortes Vilaça - Rua Fradique Coutinho, 1500; (11) 3032-7066/ 3097-0384.


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